segunda-feira, 11 de abril de 2011

Matança na escola: Textos deixados por Wellington revelam mente perturbada


Eles reforçam a mania de perseguição, e fazem uma enorme confusão de preceitos religiosos, que não têm nada a ver com a doutrina real dessas religiões.
Wellington de Oliveira se colocava no papel de vítima. Dizia ter sido alvo de maus tratos na escola. E decidiu se vingar matando crianças inocentes, que não tinham nada a ver com as agressões que ele sofreu. Vamos conhecer mais textos de Wellington. Eles reforçam a mania de perseguição, e fazem uma enorme confusão de preceitos religiosos, que não têm nada a ver com a doutrina real dessas religiões. Sugerem, também, uma possibilidade perturbadora. Se não for delírio, o assassino pode ter tido, no passado, contato com um grupo extremista.

Livros espalhados sobre a cama. Mais uma cena que chamou a atenção dos peritos que entraram na casa do atirador no dia do crime. Entre os volumes, "Estudo perspicaz das escrituras", "Anuário das Testemunhas de Jeová", "O segredo de uma família feliz", "Tradução das escrituras sagradas".

Para o professor de teologia da PUC do Rio Paulo José Tapajós Viveiros não são livros que permitem um estudo profundo de nenhuma religião:

"Você não vai encontrar nesses livros um lado mais radical, um lado mais fundamentalista, pode até encontrar, mas de uma forma muito subliminar”.

O Fantástico teve acesso a manuscritos encontrados na casa do assassino. Há um exercício de inglês, anotações soltas, e o principal deles: uma espécie de carta, aparentemente dirigida a uma mulher, escrita provavelmente antes da morte da mãe, há dois anos.

Há muitas referências religiosas e sinais de tendências suicidas.

"Os prazeres e o reconhecimento deste mundo são coisas passageiras e o que importa é ser reconhecido por Deus, porque não será com as pessoas limitadas desse mundo que viverei, eternamente e sim com Deus" 
Wellington é de uma família de Testemunhas de Jeová e critica os pais por não seguirem os preceitos da religião estritamente.

"Meus pais têm fé em Jeová, mas deixam de cumprir com as exigências da congregação" 
Ele relata sua rotina:

"Infelizmente tenho que dividir meu tempo com tarefas de colégios, limpeza da casa, e ir à Igreja das Testemunhas de Jeová". 
Em nota, a liderança das Testemunhas de Jeová no Rio de Janeiro diz que "o homem que cometeu os crimes bárbaros na Escola Municipal Tasso da Silveira não era membro da religião das Testemunhas de Jeová." E expressa "solidariedade às famílias das vítimas".

Nos últimos anos, Wellington parece se interessar também por outra religião: o islamismo.

Uma das irmãs do atirador disse à polícia, em depoimento, que Wellington passou a frequentar uma mesquita no Centro do Rio.

Na carta, ele relata um conflito:

"Já errei com minha família, mas eu mudei com o alcorão e eles não confiam em mim..." 
Wellington faz referência ao que seria um grupo. E relata dividir o próprio tempo entre orações e reflexões sobre o terrorismo.

"Estou fora do grupo, mas faço todos os dias a minha oração do meio-dia, que é a do reconhecimento a Deus, e as outras cinco, que são da dedicação a Deus e umas quatro horas do dia passo lendo o alcorão. Não o livro, porque ficou com o grupo, mas partes que eu copiei para mim. E o resto do tempo eu fico meditando no lido e algumas vezes meditando no 11 de setembro". 
Para o professor de Teologia, a mudança é um sinal claro da confusão mental de Wellington:

“Acharia muito difícil um Testemunha de Jeová realmente trocar Jesus por Maomé. Não é que seja contraditório, que seja um contra o outro, mas acho meio complicado um fanático por Jesus ser fanático por Maomé, acho difícil acontecer”. 
O sheik Jihad Hassan diz que Wellington não era muçulmano e afirma categoricamente:
“A religião islâmica proíbe esses atos. A religião islâmica não dá amparo, não ensina, a religião islâmica não dá esses ensinamentos, ela não acolhe esse tipo de pessoa, esse tipo de pensamento, a religião islâmica ensina o bem. Ensina a preservar a vida, e não a tirar a vida”.

Apesar de viver em aparente isolamento, Wellington Menezes de Oliveira deixou muitas pistas que precisam ser seguidas para entender qual foi o caminho que o levou a praticar tal barbaridade. Seguir essas pistas não é um trabalho fácil, porque é preciso separar o que é fato, realidade, do que é pura ficção.

Documentos como os que o Fantástico apresenta levantam muitas perguntas, que precisam ser respondidas. Por exemplo: Wellington participou de algum grupo extremista, com ligações até no exterior, como diz nos papéis? Ou isso é apenas fruto de uma imaginação fértil e doentia?

No manuscrito, Wellington volta a citar o "grupo" e o nome de alguém que teria vindo do estrangeiro se repete: Abdul.

"Tenho certeza que foi o meu pai quem os mandou aqui no Brasil. Ele reconheceu o Abdul e mandou que ele viesse com os outros precisamente ao Rio, porque quando eu os conheci e revelei "tudo" a eles eu fui "muito" bem recebido e houve uma grande comemoração" 
No mesmo trecho, ele diz algo que pode ser uma referência ao atentado de 11 de setembro. O tal Abdul parece ter se vangloriado de quase ter participado do atentado às torres gêmeas, uma fanfarronice para impressionar Wellington, se for verdadeira essa interpretação:

"E o Abdul teve uma conversa comigo e me revelou que conheceu meu pai e que chegou a comprar uma passagem para um dos voos, mas não fazia parte do plano e usou uma identidade com algum dado incorreto pensando no futuro para não reconhecerem ele". 

Mais adiante, surge um novo nome, Phillip. E sinais de desentendimento dentro do grupo.

"Tive uma briga com o Abdul e descobri que o Phillip usava meu PC para ver pornografia. Com respeito ao Phillip, eu já esperava isso. Mas do Abdul eu não esperava isso. Nos dávamos bem e ele sempre foi flexível nas nossas conversas e dessa vez ele foi muito rígido." 

O motivo da briga teria sido uma menina, de uma certa igreja, que Wellington teria tentado levar ao grupo:

"É que eu resolvi falar sobre a menina que me convidou a ir à igreja dela e antes de eu terminar, ele já foi cortar ela logo no início, ao invés de ouvi-la. Depois disso ele me ligou umas vezes e eu disse que estou saindo por respeito ao grupo" 

Wellington também manifesta vontade em conhecer países de população islâmica:

"Pretendo trabalhar pra sair desse estado ou talvez irei direto ao Egito." 
Além da carta, a polícia encontrou uma folha com anotações soltas, e uma referência à Malásia, um país de maioria islâmica, onde há alguns dos edifícios mais altos do mundo. Ele anota que é preciso verificar as condições climáticas da Malásia em setembro, mês dos ataques de 2001 em Nova York. Sinais de uma mente delirante, obcecada por atentados:

"Retornar fotos e dados sobre tais condições climáticas na Malásia no mês de setembro". 
A fixação pelo terrorismo tinha sido percebida por pessoas que conviviam com Wellington, como o barbeiro que o atendia há sete anos.

À polícia, ele disse que "no último ano Wellington passou a deixar a barba crescer, atingindo o comprimento até o peito". Quando brincou com Wellington, dizendo que cortaria a barba dele, o cliente o impediu, dizendo: "Vou ser expulso".

O barbeiro entendeu que Wellingon se referia ao grupo de islamismo, pois ele dizia que o islã era a religião mais correta, e que estava estudando o alcorão.

De tudo o que veio à tona, não há dúvida de que o assassinato dos 12 alunos foi obra solitária de Wellington. Mas os manuscritos revelados pelo Fantástico podem levantar uma ação paralela: o atirador teve contato com algum grupo radical? Abdul e Phillip existem? A polícia vai investigar?

“Eu acho que é uma necessidade. Nenhuma prova pode ser excluída. Há necessidade de se buscar tudo, desde uma simples suspeita. Se a gente pensar num quebra-cabeça, e uma investigação é sempre um quebra-cabeça, uma peça pequena pode estabelecer várias ligações e pode dar a solução para a montagem de um mosaico. Tudo é importante numa investigação. Qualquer policial sabe muito bem disso”, avalia Walter Maierovitch, jurista especializado em criminologia.

O responsável pelo inquérito, no entanto, não considera necessário abrir essa linha de investigação.

“Tudo afasta de grupos extremáticos, e sim um louco, que de forma covarde resolveu buscar atingir a vida de crianças indefesas pra depois se suicidar como ocorreu”, analisa o delegado Felipe Ettore.

Líderes espirituais e especialistas concordam que atos como o do assassino Wellington nada têm a ver com religião.

“A coisa mais complexa quando alguém pode ter uma conduta fanática é que ele não consegue enxergar a si mesmo como alguém que está num nível equivalente a outros seres humanos. Ele se considera ou um escolhido, ou um eleito, ou uma pessoa especial. Esta auto-imagem muito completa, aquela que não tem críticas sobre si mesmo, ela dá uma convicção e a convicção vira obsessão e a obsessão pode gerar uma conduta horrorosa, como a que nós tivemos”, explica Mário Sérgio Cortella, especialista em estudos da religião.

“Acho muito importante as pessoas saberem diferenciar esses discursos ultra-radicais, intolerantes, de posições, de tradições, de religiões, que na verdade são de milhões de pessoas pelo mundo inteiro, que não se pautam por esse nível de violência, não se pautam por nada que tenha essa função destrutiva”, afirma Nilton Bonder, rabino da Congregação Judaica do Brasil.

Fonte:  Fantástico 

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