Alencar, crítico da política de juros do Banco Central e empresário de sucesso
RIO - Político que não se importava em tecer críticas à política de juros praticada pelo Banco Central durante o governo do qual fez parte e empresário de sucesso, José Alencar Gomes da Silva nasceu no lugarejo de Itamuri, município de Muriaé, na Zona da Mata mineira, no dia 17 de outubro de 1931. Ele morreu aos 79 anos às 14h41m desta terça-feira de falência múltipla de órgãos em decorrência do câncer.
Era casado com Mariza Campos Gomes da Silva e deixa três filhos: Josué Christiano, Maria da Graça e Patrícia.
Filho de Antônio Gomes da Silva e Dolores Peres Gomes da Silva, já aos sete anos Alencar começou a trabalhar para ajudar o pai em sua loja. Quando fez 14 anos, foi trabalhar como balconista na loja de tecidos "A Sedutora". Pouco tempo depois, tendo recebido proposta mais vantajosa, transferiu-se para Caratinga, onde continuou a trabalhar de balconista.
Aos 18 anos, emancipado pelo pai, estabeleceu-se como comerciante, com a lojinha "A Queimadeira", cujo nome foi sugerido por um viajante português, o senhor Lopes, sob o curioso argumento de que "se fosse um bar, seria Bar Cristal; mas não é um bar, então é "A Queimadeira", porque vai vender barato...". Ali se vendia de tudo um pouco: tecidos, calçados, chapéus, guarda-chuvas, sombrinhas, etc. Alencar notabilizou-se como um grande vendedor, tanto neste último emprego, quanto no anterior.
Sempre contando com o apoio dos irmãos, José Alencar manteve sua loja até 1953, quando decidiu vendê-la e mudar de ramo. Teve negócio na área de cereais por atacado e participou de uma sociedade em uma fábrica de macarrão.
Ao fim de 1959, morre Geraldo, seu irmão. José Alencar assume, então, os negócios deixados por Geraldo na empresa União dos Cometas.
Fundada por Alencar, Coteminas tem 16 mil funcionários e exporta para vários países
Em 1963, construiu a Companhia Industrial de Roupas União dos Cometas, que mais tarde passaria a se chamar, Wembley Roupas S.A. Em 1967, em parceria com o empresário e deputado Luiz de Paula Ferreira, Alencar fundou, em Montes Claros, a Companhia de Tecidos Norte de Minas, Coteminas. Em 1975, inaugurava a mais moderna fábrica de fiação e tecidos que o país já conheceu.
A Coteminas cresceu e hoje são 16 mil funcionários divididos em onze unidades que fabricam e distribuem os produtos. São fios, tecidos, malhas, camisetas, meias, toalhas de banho e de rosto, roupões e lençóis para o mercado interno, para os Estados Unidos, Europa e Mercosul.
Alencar ajudou a quebrar a resistência do empresariado contra Lula
José Alencar foi ainda presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), do Sesi, do Senai, e vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Candidatou-se às eleições para o governo de Minas em 1994 e, em 1998, disputou uma vaga no Senado, elegendo-se com quase três milhões de votos.
Seu excelente trânsito entre o empresariado foi fator fundamental para que, em 2002, filiado ao então PL, fosse escolhido candidato a vice-presidente da República na chapa do petista Luiz Inácio Lula da Silva, que já havia sido derrotado em três eleições presidenciais e procurava quebrar resistências a seu nome no meio empresarial. A chapa Lula-Alencar saiu vitoriosa.
Ao contrário da discrição de seu antecessor, Marco Maciel, José Alencar deu diversas declarações polêmicas nos anos em que exerceu a vice-presidência da República, principalmente quando pedia a queda da taxa de juros e mudanças na política econômica empreendida pelo então ministro da Fazenda Antonio Palocci.
"O nosso discurso de campanha (da coligação PT-PL) não assumiu o poder. Nós seguimos a política econômica que estava aí e da qual éramos contra", dizia ele.
Em setembro de 2005, após esgotar seus esforços para tentar a fusão do PL com o PP e o PTB, anunciou a saída do Partido Liberal, legenda que esteve envolvida no escândalo do mensalão. Semanas depois, após fincar um pé no PMDB e receber sondagens de mais cinco partidos, tomou uma decisão surpreendente ao aderir ao Partido Republicano Brasileiro (PRB), nova nomenclatura do Partido Municipalista Renovador (PMR), criado por evangélicos, notadamente da Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo. Com ele, entrou no partido o filósofo Roberto Mangabeira Unger, que depois chefiaria durante dois anos a Secretaria de Assuntos Estratégicos do governo Lula.
Alencar acumulou as funções de vice-presidente e de ministro da Defesa
A partir de 2004, passou a acumular a vice-presidência com o cargo de ministro da Defesa. Por diversas oportunidades demonstrou-se reticente quanto à sua permanência em um cargo tão distinto de seus conhecimentos empresariais. Mas, a pedido do presidente Lula, exerceu a função até março de 2006, quando precisou renunciar para cumprir as determinações legais com o intuito de poder participar das eleições presidenciais daquele ano.
Mas por muito pouco não foi retirado da chapa de Lula à reeleição. O petista chegou a negociar a vaga com partidos aliados, principalmente o PMDB, mas como não houve consenso entre os aliados acabou optando pelo velho companheiro, que foi obrigado a passar por constrangimentos meses a fio com as articulações que pipocavam nos jornais sobre a vaga de candidato a vice-presidente. Disposto a colaborar, Alencar acabou aceitando a missão, apesar de sua saúde já dar sinais de maior debilidade.
No segundo ano do governo, Alencar defendeu publicamente a atuação da então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que na época era pressionada a conceder licenças ambientais para obras de infraestrutura, classificadas como prioritárias para o novo governo Lula. Marina seria substituída por Carlos Minc no ministério em 2008.
- Ela é uma grande brasileira e tem condições excepcionais de ajudar o Brasil na preservação do meio ambiente sem prejuízo para o crescimento - disse Alencar
O político também dispensou uma postura corporativa quando criticou, ainda em 2006, os gastos da administração pública. Ele citou como exemplo as viagens de autoridades e disse que poderiam ser mais baratas para os cofres públicos, assim como as suas.
Luta contra o câncer, mas sem perder o humor
Alencar esteve à frente do Planalto durante as constantes viagens diplomáticas de Lula. Mesmo com a saúde frágil, o então vice-presidente sempre mostrou disposição tanto para assumir a presidência, como para enfrentar a doença com bom humor. Após uma das cirurgias a que foi submetido , o político brincou com a alcunha que Lula ganhou do presidente americano Barack Obama:
- Quando eu cheguei, o presidente disse assim: você é o cara. E eu disse: não, eu sou o vice-cara.
Ao final do governo Lula, já bastante desgastado fisicamente depois de passar por 17 intervenções cirúrgicas - a última delas às vésperas do Natal -, Alencar foi impedido pela equipe médica do Hospital Sírio-Libanês de comparecer à posse da presidente Dilma Rousseff, no dia 1º de janeiro . Seu desejo era descer a rampa do Palácio do Planalto ao lado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Chegou a se vestir para a ocasião, mas foi convencido pela mulher Mariza a não desafiar as orientações dos médicos.
- É um dever cívico descer a rampa ao lado de Lula - disse aos jornalistas.
Depois de permanecer três meses internado no hospital, Alencar resolveu continuar o tratamento em casa, acompanhado por enfermeiros. A decisão foi tomada na noite do dia em que foi homenageado com a Medalha 25 de Janeiro , no aniversário de 457 anos de São Paulo.
Na cerimônia, Alencar contou que, embora seu estado de saúde fosse um pouco melhor, ele considerava que passava por um dos momentos mais críticos desde que fora internado pela última vez, 90 dias antes.
- Nós estamos tentando vencer as dificuldades, ainda que elas não sejam brincadeira. Mas Deus sabe o que faz e aceitaremos a sua decisão de bom grado. Se eu morrer agora, tenho até que me sentir um privilegiado, pois está todo mundo rezando e torcendo por mim. Não posso me queixar se eu morrer, mas estou lutando para não morrer - disse o ex-vice-presidente, lembrando das dificuldades do tratamento contra o câncer na região abdominal.
O Globo
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