domingo, 5 de dezembro de 2010

A terra dos sem-dentes

73% das pessoas que residem na comunidade de Tijuco Preto, zona rural de Domingos Martins, optaram por abrir mão de seus dentes, ainda jovem.




É com muita timidez que Anelina Siqueira da Conceição, 28 anos, revela o que há por trás de seu sorriso: uma prótese com ouro substitui seus dentes. Ela não diz o quanto gastou, mas está arrependida com a troca, feita aos 17 anos. Como a agricultora, 73% das pessoas que residem na comunidade de Tijuco Preto, zona rural de Domingos Martins, optaram por abrir mão de seus dentes, ainda jovem.

A perda, que pode ser uma das mais altas do país, foi identificada em uma pesquisa realizada pela cirurgiã-dentista Núbia Gomes Moreira, em um curso de especialização na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). "Há relatos de pacientes que extraíram os dentes aos 12 anos", conta Núbia.

Por trás do problema está o isolamento de uma comunidade. Tijuco Preto está localizado a 60 quilômetros de Domingos Martins e durante anos ficou sem atendimento odontológico público. Nas emergências a solução estava longe, ou vinha de dentistas práticos, com a extração.

Pesa ainda a cultura de um povo - a maioria é descendente de pomeranos -, com uma alimentação rica em açúcar, com baixa escolaridade e renda, onde hábitos de escovação não eram valorizados. "Criança não podia ter escova, era caro", conta Verônica Disher, 48. Aos 11 anos ela estava com todos os dentes comprometidos e aos16 ela os tirou.

Na região muitas crianças só têm contato com escovação aos 7 anos, na escola. Em casa, o uso de escovas coletivas é comum. Há ainda o fato de valorizarem a dentadura, por acharem que os dentes são mais bonitos. "Os pacientes já chegam pedindo pela extração. Querem uma prótese", relata Franciele Regina Christ, a dentista local. Há até registro de famílias que presenteiam seus jovens filhos com prótese total. Mas o uso de dentaduras traz problemas. Nos jovens compromete o desenvolvimento da arcada, e muito levam levam décadas para trocá-las.

Mas já há sinais de mudanças. Tijuco já conta com dentista público e pacientes como Verônica caminham mais de 4 quilômetros para salvar os dentes não cariados de seu filho de Denizar, 5. Ou como Anelina, que cuida da gengiva de seu bebê. "Quero que tenha um belo sorriso", diz.



A solução passa por mudança cultural
Encontrar uma solução para o problema de Tijuco Preto não tem sido fácil. A comunidade não é a única em Domingos Martins a vivenciar a mesma situação. E a coordenadora de saúde bucal do município, Fabiana Cristina Siqueira, destaca que oferecer reabilitação oral - com o fornecimento de dentaduras - pode não ser a solução. "Isso pode estimular a extração", diz. A intenção é atuar junto as comunidades para que reconheçam a importância dos dentes para a saúde. O primeiro passo foi a implantação de uma unidade de saúde, com consultório dentário público na região. A dentista Franciele Regina Christ também  tem visitado escolas, ensinando as crianças a como cuidar dos dentes.


Sem cuidados

2,5 milhõesde jovens
Nunca foram ao dentista no Brasil. Segundo o Ministério da Saúde, 88% da população brasileira têm cárie e a média de dentes cariados nas crianças de 12 anos é de 2,8.

Na cidade, a família Disher é a regra...
Laurinda Simone Kuster, 23 e Delmiro Disher, 28, perderam os dentes superiores aos 16 anos. Além de não terem condições financeiras de arcar com outro tipo de tratamento que não fosse a extração, precisavam viajar mais de 45 quilômetros para encontrar um dentista. "Era um sacrifício", contam. Simone seguiu o histórico familiar: seu pai, aos 15 anos, já não tinha dentes. Hoje o casal faz questão de ir a um dentista público para que o pequeno Guido, 3 anos, tenha outro destino.

... e a família Neimog-Goerl é a exceção

Luzilha Neimog, 28, e Gilmar Goerl, 26, têm orgulho de possuírem todos os dentes. Ela só lamenta ter dois canais e ele se prepara para corrigir uma imperfeição, com aparelho. Em casa, dão aos filhos - Erik de 3 e Maysa, de 6 - a orientação que não tiveram na infância. Chegam a evitar doces e a privilegiar as frutas. Luzilha não quer que se repita a história de um amigo de infância. "Tinha dentes maravilhosos. Aos 15 ganhou do pai uma dentadura e tirou tudo, até os sadios", conta.

Cuide bem de seus dentes


Além de um bom atendimento odontológico - público ou privado -, as iniciativas pessoais são fundamentais para garantir uma boa saúde bucal. São esse cuidados que podem evitar a perda de dentes, e até situações mais graves, como a de Tijuco Preto, zona rural de Domingos Martins. Na pequena vila, 73% dos moradores perderam seus dentes, ainda jovem.

É um quadro que ainda está presente em muitas regiões do Estado, como pontua a presidente do Conselho Regional de Odontologia (CRO), Margareth Pandolfi. "Ainda temos muitas comunidades onde a perda de dentes é elevada", pontua.

A gravidade do problema é revelada pelas estatísticas do Ministério da Saúde: 88% da população brasileira têm cárie. O número é ainda mais preocupante entre as crianças. Na faixa de cinco anos, cerca de 60% delas têm ao menos uma cárie e a média de dentes permanentes cariados nas crianças de 12 anos é de 2,8.

Mas ao crescer a situação não muda. A mesma estatística mostra ainda que, aos 18 anos, apenas 55% das pessoas que moram no Brasil permanecem com todos os dentes.

Por trás dessa situação há o abandono. Somente em 2004 o país passou a contar com uma política nacional de saúde bucal. Os dentistas só passaram a fazer parte do Programa de Saúde da Família (PSF) a partir de 2001, embora tenham sido criados em 1995.

Mas há uma esperança, ressalta a presidente do CRO. Há 10 anos, no Espírito Santo, só havia 370 profissionais odontólogos. Hoje são mais de 1.300. "Os municípios também estão se organizando e ampliando o número de profissionais", destaca Margareth.

Em paralelo é preciso que todos se conscientizem da importância de cuidar, ainda cedo, dos dentes. Além da alimentação, destaca Margareth, é importante ainda a escovação após cada refeição e a visita periódica ao dentista. Confira abaixo algumas dicas de prevenção:

O que fazer para ter dentes saudáveis 

1 - Evite alimentos que aumentam o risco de cárie, como açúcares, presentes em refrigerantes, chicletes, balas, melado, pudins, mel, sorvetes, chocolates e outros

2 - Se comer algum desses alimentos, procure escovar os dentes logo em seguida.

3 - Evite dar comida para a criança na mesma colher que você ou outra pessoa esteja usando, evite beijá-la na boca pois estes procedimentos podem ser formas de contágio da cárie e outras doenças. A cárie é uma doença infecto-contagiosa e portanto transmissível.

4 - Escove os dentes da criança desde o aparecimento do primeiro dente na arcada e após cada refeição.

5 - Faça opção por escovas de cerdas macias, para não machucar a gengiva, e cabeça pequena para chegar em todos os lados dos dentes.

6 - Troque as escovas no máximo de dois em dois meses, quando as cerdas já estão desgastadas.

7 - Use sempre creme dental com flúor

8 - Use o fio dental diariamente, a fim de remover a placa bacteriana

9 - Visite seu dentista periodicamente

10 - Certifique-se de que a água que suas crianças bebem contenha flúor. Se a água fornecida em sua localidade não contém flúor, seu dentista ou pediatra pode prescrever suplementos de flúor diários.



Fonte: A Gazeta - Vilmara Fernandes

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