'Agi de forma instintiva', diz motorista que atropelou ciclistas no RS
Há dois meses, o motorista Ricardo José Neis, de 47 anos, atropelou um grupo de ciclistas em Porto Alegre e deixou 17 feridos. Em entrevista ao Fantástico, ele tentou explicar o motivo de seus atos.
“Eu nunca tive a intenção de provocar a morte dessas pessoas. Eu nem conhecia ‘eles’, não teria nenhuma razão para matá-los”, afirmou. “Eu só pensei que, se eu parasse, eu seria linchado. Minha única alternativa era sair dali”, disse.
Orientado pelos dois advogados, que acompanharam a gravação, Ricardo Neis manteve sempre a mesma versão. “Naquele momento, naquela situação, eu estava sendo agredido, eu entrei em pânico”, afirmou
O homem que atacou o grupo de ciclistas com o próprio carro conseguiu na Justiça, há dez dias, o direito de responder ao processo em liberdade. “Naquele dia, eu estava indo levar meu filho na casa da mãe dele. Ele tinha passado a noite toda comigo, e era sexta-feira. Ele ia passar o fim de semana com ela”, disse.
No caminho, Ricardo deu de frente com os ciclistas do Movimento Massa Crítica. São homens e mulheres que se reúnem uma vez por mês para defender o uso da bicicleta como meio de transporte.
Naquela noite de 27 de fevereiro, o grupo, com cerca de 150 ciclistas, percorreu um trajeto pelo Centro de Porto Alegre. Eram 19h. Ricardo e os ciclistas se encontraram em um ponto e, segundo o motorista, o grupo impediu sua passagem.
“Fecharam o trânsito e tomaram conta da rua ali. Eu parei o carro, alguns deles se atiraram para cima do capô, outros deram alguns socos. Eu fiquei bastante nervoso, e meu filho também. Então, eu procurei apaziguar. Baixei o vidro, disse para eles que não precisavam fazer daquela maneira, porque havia lugar para todo mundo na via”, afirma Neis.
Um quarteirão dali, Ricardo afirma que os ciclistas abriram passagem. A situação, que parecia resolvida, se complicou. “Quando eu ultrapassei, eu vi que eles se enfureceram. Então, nesse momento, eles realmente começaram a agredir o carro. Quebraram o espelho, deram várias batidas mais fortes. Aí, então, meu guri estava em pânico, eu fiquei em pânico também e procurei fugir”, disse.
Às 19h10, Ricardo saiu em disparada. Imagens mostram o momento em que ele acelera e joga o carro em cima dos jovens. “Mas o senhor não poderia ter pego à direita ou uma outra rua e evitado esse atropelamento?”, pergunta o repórter. “Se soubesse que iria haver uma agressão pior, poderia ter feito isso antes”, respondeu Ricardo Neis.
Depois de atropelar um grupo de ciclistas em uma rua na região central de Porto Alegre, Ricardo fugiu sem prestar socorro às vítimas. Foi preso e denunciado por 17 tentativas de homicídio. Chegou a ficar quase um mês na cadeia.
“Eu agi de forma instintiva, a minha intenção era sair dali. Eu estava em pânico, eu estava com medo. Se eu pudesse prever o que aconteceria, se eu pudesse prever a agressão, mas eu teria que ter uma bola de cristal”, disse Neis.
“Não era melhor o senhor parar o carro e pedir ajuda a um policial ou tentar desviar?”, pergunta o repórter “Como? Não haveria tempo, não haveria. Eu agi por impulso. Não agi por vingança, de maneira nenhuma. Agi por instinto de fuga. Você há de convir comigo que você não pode ter uma manifestação, uma passeata, no meio do trânsito”, justifica Neis.
Os ciclistas Marcos, Suryan e Ricardo estavam no grupo que pedalava naquela noite. Eles contestam a versão do atropelador e dizem que não foram eles que começaram a confusão.
“Naquele evento, não tinha nenhuma pessoa tomando atitudes agressivas. As pessoas ficaram até em volta do carro para tentar parar ele, porque ele estava, de fato, acelerando, dando aquelas pequenas aceleradas para passar”, conta o ciclista Suryan Cury.
“Ninguém quebrou o carro dele, ninguém! Bateram na janela: ‘Calma aí, vamos conversar’, e ele não se mostrou nem um pouco aberto ao diálogo”, comenta Marcos Rodrigues, uma das vítimas. “Ele é um exemplo de muitos motoristas que estão por aí descontrolados”, aponta Ricardo Ambus, outra vítima do atropelamento.
O ciclista Marcos Rodrigues aparece nas imagens no momento em que o motorista avança sobre o grupo. “Eu comecei a ouvir um barulho de batidas, e foi aí que eu olhei para trás e vi gente voando por cima do carro. Aí eu pensei: ‘Bom, eu tenho que sair daqui’. Só que eu acordei no chão”, disse.
“Graças a Deus que foram lesões leves e danos materiais. Graças a Deus. Não estou nem preocupado com meu carro. Graças a Deus que não aconteceu nada pior”, disse o motorista.
Segundo o Ministério Público, Ricardo Neis tem um histórico de infrações no trânsito. São cinco multas. Entre elas, por dirigir na calçada e ultrapassar na contramão. Na vida pessoal, Ricardo foi acusado de tentar agredir a ex-namorada com uma machadinha e um facão, dentro do carro, em junho do ano passado.
O promotor Eugênio Paes Amorim acredita que um homem com o perfil de Ricardo não deveria estar em liberdade. “Ele sabe que está com um carro altamente potente, com motor potente, atuando contra ciclistas, veículos mais fracos e mais expostos. Ele tinha plena ciência de que, com aquela ação, ele podia matar as pessoas”, afirmou.
“O senhor sente algum remorso?”, pergunta o repórter a Ricardo Neis. “Claro que eu pensei muito nisso. Claro que isso que você está colocando, eu me pergunto muito: ‘Será que eu avaliei certo aquele momento?’. Eu realmente penso isso”, disse o motorista.
O motoristas Ricardo José Neis, acusado de atropelar um grupo de ciclistas em Porto Alegre na última sexta-feira, possui três processos por ameaça e agressão física, além de multas de trânsito por excesso de velocidade, trânsito na calçada, na contramão, em marcha ré e por conversão proibida.
G1
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