quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Cegos são garçons em restaurante 'no escuro' em Israel

Centro Nalaga’at treina cegos e surdos para serem garçons e atores.
Eles também atuam em peça com enredo feito de seus próprios sonhos.

Hadar, a jovem garçonete, guia o grupo que caminha com dificuldade, num trenzinho, até a mesa. Com cuidado, coloca cada um sentado em sua cadeira e explica o que há em frente. Diz que trará água, vinho e pão. Uma das pessoas começa a passar mal, e Hadar a coloca ao lado da parede, para que se sinta segura. A garçonete explica que tem um problema de visão que a impede de enxergar de noite. “Mas não é o caso de todos os garçons aqui. A maioria é cega.”
O Blackout é um restaurante no escuro, em que o cliente entra no mundo de quem o serve. Para não estragar a experiência, é proibido entrar com câmeras fotográficas e celulares. Os garçons caminham com um sino para não esbarrarem um nos outros, nem atrapalhar a desajeitada caminhada dos até 40 clientes que jantam ali a cada noite.
Situado num antigo depósito na região velha de Jaffa, em Tel Aviv, o Blackout é parte do projeto Nalaga’at, que integra e treina cegos e surdos em Israel. Além do restaurante, o local abriga um café com garçons surdos e um teatro com atores cegos-surdos. Atualmente eles empregam 70 deficientes.
“Acredito que todo mundo que vem aqui sai diferente. Acho que estamos fazendo uma revolução, porque não é só a vida dos cegos e surdos que muda, mas a de todo mundo ao redor”, explica a presidente-fundadora do centro, a suíça Adina Tal. Dramaturga e atriz, ela conta que nunca tinha tido contato com cegos e surdos até ser convidada a dar um workshop para deficientes. “Simplesmente não sabia como faria aquilo. Mas, quando cheguei, fui fumar e quem acendeu meu cigarro foi um cego. Aí comecei a entender a dinâmica e vi que eles têm sonhos e expectativas.”
Garçons 'ensinam' aos frequentadores como eles devem se comunicar com eles (Foto: Giovana Sanchez/G1)
Ela começou a ensaiar com o grupo, e em 2002 fez a primeira apresentação. Elogiados pela crítica, em dois anos eles estavam viajando pelo país e depois pelo mundo. “No começo me disseram que seria impossível. Eles precisam de interpretes e de muitos ensaios, pois só sabem que alguma coisa está acontecendo quando são tocados. Mas nós conseguimos. Hoje eles estão integrados no mundo, conseguem ter o sentimento de pertencimento. Até reclamam do salário [risos].”
O centro Nalaga’at foi criado em 2007, com o teatro -que hoje é responsável por 75% da renda do projeto- o Café Kapish e o Blackout. “No começo as pessoas achavam que estavam fazendo uma doação vindo aqui, pois não sabiam o que iam encontrar. E quando elas chegam e veem atores realmente bons, fazendo um bom trabalho, elas se surpreendem e falam para os amigos. Nosso marketing é todo de boca-a-boca.”
Café por mímica
À primeira vista, é um café normal. Mesas, cadeiras, garçons, música, meia-luz. Ao sentar, no entanto, o cliente percebe uma lousa com caneta e uma toalha com imagens de mímicas. Os garçons chegam para anotar os pedidos e se esforçam ao máximo para ler os lábios dos clientes. Em pouco tempo, todos no salão estão conversando por sinais e entrando no mundo dos surdos.
Ser garçom é o primeiro passo para quem chega no centro Nalaga’at. Alguns entendem os sinais em outras línguas, e muitos não precisam de tradutores. Kseniya Starisn, de 28 anos, explica por meio de uma intérprete que está há oito meses trabalhando no Café Kapish. “Minha vida mudou muito. Antes eu trabalhava na cozinha de um restaurante normal e eu era a única surda. Era muito difícil pra mim. Aqui conseguimos nos comunicar. É um lugar muito especial.”
O cardápio especial (Foto: Giovana Sanchez/G1)


Pão no palco
O centro Nalaga’at começou com o teatro. As peças são produções de até um milhão de shekels, o equivalente a cerca de R$ 600 mil. O roteiro em cartaz nesta semana, “Não só de pão”, aborda os sonhos dos deficientes. A peça começa com o grupo de 11 atores fazendo pão. Com a ajuda dos cinco intérpretes, eles colocam a massa para assar em fornos e falam de suas deficiências e das paixões e vontades de cada um.
No palco, enquanto o pão assa, eles podem dirigir carros, dançar no ritmo da música e escolher um penteado no salão mais famoso. Um mágico com uma varinha passa tocando os atores, num sinal para mudar de posição entre as cenas. A vibração de um tambor marca os atos. As falas são traduzidas em um telão para o inglês, o árabe e o hebraico. Um intérprete faz a linguagem dos sinais no canto esquerdo do palco.
Quando o olfato denuncia que o pão ficou pronto, os atores convidam o público para saborear seus sonhos junto com eles. Tradutores ajudam nos cumprimentos e, emocionada, a platéia deixa o mundo do silêncio escuro.
Pão feito pelos atores e dividido com o público no final da peçaPão feito pelos atores e dividido com o público no final da peça (Foto: Raphaela Moura/Globonews)
G1

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