Deus e o Diabo no Haiti
O evangélico Pat Robertson, um dos líderes da direita religiosa americana, tem uma explicação para as desgraças do Haiti que culminaram com esse terremoto demolidor.
Um dos países mais miseráveis do mundo, com uma história ininterrupta de privações, violência e instabilidade política, o Haiti estaria pagando por um pacto que fez com o Diabo em 1804, quando pediu sua ajuda para expulsar os colonizadores franceses e tornar-se uma república.
Desde então, os haitianos viveriam sob uma maldição. O terremoto, segundo Pat Robertson, é apenas o castigo mais recente. Mas o religioso pediu a seus fiéis que rezassem pelos haitianos. E, presumivelmente, pedissem a Deus que esquecesse velhos ressentimentos e lhes desse uma folga.
Se o Diabo ajudou mesmo os haitianos contra os franceses foi por uma causa nobre. O Haiti foi o primeiro país do mundo a abolir a escravidão, dando um exemplo que custou a ser seguido pelos outros.
A república, também inédita, fundada depois da expulsão dos franceses era de ex-escravos, e acolhia escravos fugidos ou alforriados de outros países. E se Deus os castigou por esta audácia, não foi o único.
A França exigiu e recebeu reparação pela colônia perdida, o que aleijou a economia da nova república por muito tempo. A vizinhança com os Estados Unidos também não ajudou. Os americanos chegaram a ocupar o Haiti durante vinte anos, sem muito proveito para o país.
Grandes negócios foram feitos na época dos ditadores Papa Doc e Baby Doc Duvalier, também sem muito proveito para o país.
Nos últimos tempos, apoiando e desapoiando líderes mais ou menos populares, os americanos têm tentado manter no Haiti uma democracia representativa mas não representativa demais, a ponto de armar politicamente uma massa de desesperançados, com o risco de eles também convocarem o Diabo.
Agora não se sabe o que vai surgir dos escombros da tragédia.
Outro
O Deus vingativo de Pat Robertson certamente não era o Deus de Zilda Arns, que morreu no Haiti trabalhando pela causa da sua vida, a ajuda aos pobres e, principalmente, às crianças. O seu era um Deus solidário. Infelizmente, pouca gente no mundo está disposta a fazer um pacto como o que Zilda Arns fez com este outro Deus. Ela sobreviverá como um exemplo e uma inspiração. (Autor: Luís Fernando Veríssimo)
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