Um pedido de carona não estava nos planos do Marcel. “Foi basicamente a carona dele e aí a vontade de chegar em casa logo que eu falei: ‘Está bom, vamos embora’”, comentou.
Mário não esperava ter que levar a avó ao hospital justo naquele dia. “Se não fosse por isso, com certeza, eu teria ido ao curso”, diz.
O cansaço venceu Luiz de uma forma que não acontecia havia tempo. “Eu estava muito cansado. Por isso, não fui à aula”, contou.
Os três deveriam estar no Edifício Liberdade na quarta-feira (25), às 20h30. Mas alguma coisa na vida de cada um mudou o rumo deles naquela noite. Marcel, Mario e Luiz não trabalhavam no prédio, mas eram alunos do curso de informática ministrado três vezes por semana no sexto andar. Começava às 18h30 e ia até as 21h.
Era um curso avançado em tecnologia da informação, para profissionais com um grande futuro. Quem dava as aulas era Omar Mussi, profissional respeitado na área. Na primeira fila, sentavam Marcelo Rebello e Yokania Bastone Mauro. Logo atrás sentavam-se Sabrina Prado, Priscilla Montezano e Bruno Gitahy Charles. Luis Leandro de Vasconcelos e Flávio Porrozzi completavam a turma naquela quarta-feira (25). Nenhum deles escapou. O lugar de Luiz, na primeira fileira, estava vazio. Assim como a última mesa, onde ficavam Mário e Marcel.
Marcel foi chamado para uma reunião em uma universidade perto do Edifício Liberdade. Ele foi acertar os últimos detalhes do novo emprego como professor. “Possivelmente eu venho dar aula e eu vim definir o horário”, comentou.
Da universidade, Marcel iria direto para o curso de informática. “Só que a reunião atrasou. Ainda dava tempo de ir ao curso, saindo às 20h eu conseguiria chegar e pegar uma hora do curso. Era muito próximo, eu conseguiria chegar tranquilamente”, disse.
Mas os planos mudaram quando o novo chefe pediu uma carona. “Ele ficou até meio sem graça, porque eu vi que existia algum outro compromisso que eu não sabia qual era. Eu perguntei: ‘Marcel, não vai atrapalhar em nada a carona?’“, contou o chefe Serio Rocha.
“Eu falei: ‘Está bom, dou a carona. Vamos’. Ainda vou mais cedo para casa ver se ainda dá tempo de pegar minha filha acordada. Fomos tranquilo. Deixei o Sérgio em casa”, acrescentou Marcel.
Assim que Sérgio desceu, Marcel ligou o rádio. “Foi quando eu ouvi a primeira notícia sobre um desabamento no Centro da cidade. Falava sobre o prédio anexo ao Teatro Municipal. Eu sabia que era a área do prédio onde eu estaria, mas eu não pensei na coincidência de ser exatamente o mesmo prédio”, lembra.
No caminho, Marcel resolveu checar os e-mails. Às 20h18, o professor Omar escreveu: “Vocês hoje não vieram ao curso e fiquei preocupado”. Isso foi 15 minutos antes de o prédio desabar. A mensagem do professor era para Marcel e Mario.
Mario também faltou ao curso, mas tinha decidido isso mais cedo. “Por volta de 16h20, minha mãe me ligou para falar da minha avó, que ela estava meio febril e que seria bom a gente dar uma olhada, levar em hospital e ver o que poderia ser, porque como ela tem uma certa idade. A gente não costuma muito postergar esse tipo de coisa”, contou.
Mario pegou um táxi e levou a avó ao hospital. Não era nada grave. Ela foi liberada no dia seguinte.
“Acho que minha avó me salvou também. Não só ela como a história que eu tenho com ela. Se não fosse pela história, de repente eu não teria vindo. O cara lá de cima soprou no ouvido da minha avó e falou: ‘Ó, arruma um negócio aí para puxar teu neto para casa, porque não está na hora’”, se emociona Mario.
Também não era a hora do Luiz. “Eu não estava lá, entendeu? Podia estar. As coisas acontecem na vida da gente e não tem muita explicação”, diz. Na quarta-feira (25), Luiz trabalhou o dia inteiro em casa.
“Eu lembro que por volta de 17h40, mais ou menos, foi a hora que eu parei de trabalhar. Fui tomar banho e eu estava realmente muito cansado. Eu estava na dúvida: ‘Vou ou não vou?’. Queria muito ir, não queria perder a aula, porque o curso estava muito bom. Por outro lado, eu já estava praticamente dormindo e cochilando”, comentou.
O cansaço venceu. Luiz dormiu até meia-noite. Foi só aí que ele descobriu o que tinha acontecido. Três horas antes, Marcel já havia chegado em casa. “Vim direto para a televisão para ver o que estava acontecendo, para tentar identificar o prédio que tinha caído”, disse.
Era o prédio do curso que ele fazia. “A primeira pessoa que eu liguei, quando eu soube do prédio, foi o Sérgio”, afirma.
“Eu notei que ele estava com a voz bastante emotiva e chorando. Ele me agradeceu: ‘Sérgio, obrigado’. Falei: ‘Marcel, não estou entendendo. Obrigado por quê?’. E aí ele me contou: ‘O prédio que eu iria agora acabou de cair, e sua carona salvou minha vida’”, contou Sérgio.
“A gente vê umas tragédias, acha que consegue se colocar no lugar das pessoas, mas nessa, como passou raspando, eu conseguia de uma forma mais real me imaginar ali”, conta a mulher de Marcel, Flávia Teixeira.
Não foi a primeira tragédia na família de Marcel. Há 45 anos, ele perdeu três parentes em outro desabamento no Rio. Por coincidência, também foram três prédios que caíram.
“Isso foi em 1967. Foram meus avós e o meu tio por parte de pai. Eles estavam nesse desabamento. É muita coincidência, muito acaso. É nesse momento que a gente pensa. Eu pelo menos, penso que com certeza tem alguma coisa maior. A gente só tem a agradecer por estar aqui, não deixar minha família sozinha e continuar, continuar seguindo a vida”, diz, emocionado.
Ainda mais que, semana passada, Marcel descobriu que o segundo filho está a caminho. Flávia está grávida de nove semanas.
Na tarde de sábado (28), Marcel, Mário e Luiz se encontraram pela primeira vez depois do desastre. “Não sobrou nada”, constata Mário.
Também foi a primeira vez que eles voltaram ao local do desabamento. “Eu me lembro de andar na calçada, entrar na portaria e pegar o elevador. Então, é mais chocante assim”, diz Luiz. “Ver o que podia ter acontecido com a gente. Foi muita sorte a gente ter faltado aquele dia”, comenta Marcel.
Uma quarta pessoa também teve a sorte de faltar à aula naquele dia e sobreviveu. É uma funcionária da empresa TO, que fazia o curso. Ela não quis gravar entrevista. “Nós não ganhamos na Mega-Sena, mas na Mega-Sena da vida a gente ganhou”, afirma Mário.
Secretário admite DNA para identificar restos mortais
O Secretário Estadual de Defesa Civil e comandante do Corpo de Bombeiros, coronel Sérgio Simões, disse que seis partes de corpos já foram encontradas
Na tarde deste domingo (29), o Secretário Estadual de Defesa Civil e comandante do Corpo de Bombeiros, coronel Sérgio Simões, conversou com a imprensa no local onde três prédios desabaram no Centro do Rio de Janeiro. Ele afirmou que foi encontrado mais um pedaço de um dos corpos no depósito para onde o entulho está sendo levado na Baixada Fluminense.
Ao todo seis partes já foram encontradas e ainda não é possível saber se os restos mortais são de corpos que já foram localizados ou se seriam de outros corpos. “Caso essas partes não venham a ser dos corpos que já foram encontrados, talvez seja necessário fazer um exame de DNA para poder identificá-las”, disse o coronel.
Simões admite também que ainda há a possibilidade de existirem corpos no local do desabamento, pois bombeiros sentiram um cheiro forte no local da ventilação do prédio. “A busca alí está sendo feita manualmente para evitar novos desabamentos”, afirmou ele.
Como ainda existem muitos escombros pendurados no prédio vizinho, a retirada dos mesmos será feita apenas quando os bombeiros tiverem certeza de que não há mais corpos no local. Segundo o coronel, também há a possibilidade de que alguns corpos sejam encontrados carbonizados já que após a queda houve combustão no local.
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