segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Prostitutas de luxo: garotas pagam faculdade com programa, mas têm medo da violência

Myrna (Aline Fanju): a garota de programa
ajuda o rapaz a superar a separação com a noiva
Nas entrevistas, elas estão sempre acompanhadas de garotas. Por telefone ou pessoalmente, uma parece proteger a outra. Em vez de prostituta, garota ou qualquer outro nome, elas se autodenominam de meninas de programa. Com a aparência típica de jovens mulheres de classe média alta, elas ganham bem e levam uma vida aparentemente glamourosa, mas vivem saias-justas com os clientes e precisam lidar com o medo da violência, das drogas e das doenças. Boa parte delas faz programa para estudar e garante que usa camisinha, mesmo que seja oferecido um valor a mais para ausência do preservativo. A vida delas é bem diferente daquela mostrada pela personagem Myrna (Aline Fanju) na novela Viver a Vida, de Manoel Carlos.

Na trama, a garota de programa Myrna envolve-se com o personagem Jorge (Mateus Solano), que a trata com carinho e atenção, apresenta à família, leva para jantar e jogar tênis no clube. Jorge começa a sair com Myrna após terminar o noivado com Luciana (Aline Moraes). A garota de programa ajuda o rapaz a superar a separação dolorosa com a noiva e a relação do casal parece meio irreal, ela vai ao trabalho dele, conhece os amigos do rapaz e chega a mandar um cartão postal dizendo que o ama. Mas é sempre assim?

Aos 19 anos, Paula (nome fictício), que preferiu não ser fotografada, começou a fazer programas, depois de saber que as amigas também faziam. Há cerca de um mês, com 28 anos e depois de abandonar a atividade por duas vezes para se dedicar a relacionamentos amorosos fixos, ela voltou a sair com homens. A cada ligação no celular, o receio. "Tem muito cliente que gosta de usar drogas e quer que a gente use também, mas como eu não uso, perco muito por causa disso. Tem menina que topa", revela.

Sem a mãe e com o pai ausente, a referência de família de Paula* são os seis irmãos - quatro deles homens, que não sabem da sua profissão. "Sou de maior, ninguém se mete na minha vida".

Paula conta que existem, sim, alguns momentos de Myrna na vida. De presentes ela ganhou apenas garrafas de bebidas, mas já conheceu a família de um cliente, como na novela. "Já teve momentos de sair com cliente e ele me levar pra jantar ou pra passear. Já até me apresentaram para a família. Um cliente me apresentou como se a gente fosse amigos e ninguém desconfiou de nada". Mas o glamour para por aqui.

Lorena, 28 anos, começou a fazer
 programas para pagar a faculdade e
 morou quatro meses na casa de um
cliente na Europa

Diariamente, elas só sabem o que realmente vem pela frente quando já estão cara a cara com os clientes, que conheceram apenas por telefone. Elas convivem com o medo da violência e das drogas e com a possibilidade de encontrar clientes bem menos gentis do que o arquiteto da novela das nove da Globo. "A parte difícil é que não são todos que são cheirosinhos, gente boa. Têm homens grosseiros também, que falam que se estão pagando, eu tenho que fazer o que eles querem", desabafa.

Mesmo fazendo programas, Paula* já se dedicou a dois relacionamentos mais sérios. O primeiro rapaz ela conheceu fora da profissão e viveu com ele por seis anos. "Ele me ajudava. Eu nunca trabalhei fora, e quando terminamos eu não tinha trabalho nenhum, aí precisei voltar a fazer programa".

Mas também já namorou um cliente, dez anos mais velho que ela, e parou de fazer programas novamente, por dois anos. "Eu gostei muito mesmo dele e a gente se apaixonou. Rola um sentimento. Ficávamos porque eu gostava dele, não porque ele me ajudava. E nunca jogou na minha cara a minha profissão", disse. Nesse período, Paula foi para o Rio de Janeiro, mas voltou ao Estado quando o relacionamento terminou.

Há um mês, a universitária Carla (nome fictício), 24 anos, vive uma experiência nova, que sua família nem imagina. A convite de duas amigas de trabalho, ela começou a fazer programa. "O primeiro que fiz estava acompanhada de algumas meninas. Foi normal. É como conhecer um cara na balada e sair com ele depois. A única diferença é que ele paga no final", declara.

Apesar de afirmar nunca ter passado por situações constrangedoras, Carla* conta que a vida real não possui grandes semelhanças com a novela. "É totalmente diferente. Acabamos encontrando pessoas interessantes, mas nem todas são boazinhas com você. A novela é um mundo que aqui fora não existe. Aqui é arriscado, você pode encontrar qualquer coisa por aí, fazer uma maldade e até mesmo matar você", enfatiza.

Como a personagem Myrna, ela já sentiu algo a mais por um cliente. "Já teve cliente que eu curti estar com ele, até mantemos contato, ele manda mensagem, mas preferi não me envolver. Ele é casado e mora fora. Tem programa que rola um carinho. Eles ficam impressionados com você. Dizem: ah, por que você tá fazendo isso? Vou arrumar uma coisa legal para você. Aí digo que já tenho trabalho", relata a jovem.

Com a identidade preservada,
 elas passam despercebidas
em jantares e festas. E são até
apresentadas à família do
cliente. Nenhuma entrevistada
permitiu que seu rosto fosse mostrado 
Carla*, que já recebeu anel e bijuterias de presente, diz que seus contratantes gostam de fazer festinhas com várias meninas, a maioria são médicos e empresários, principalmente do ramo do mármore e do granito, casados e mais velhos. "Prefiro essa ala dos coroas, porque eles são mais rápidos e tranquilos. Novo é muito difícil. Rola também muita festinha, eles chamam umas quatro meninas e cada um vai para um quarto. Tem uns que curtem ver as meninas juntas, mas eu gosto de homem", destaca.

Ela faz programa por dinheiro, mas nem por isso topa tudo. "É uma coisa que dá dinheiro e vem muito fácil, mas se você não tiver objetivo ele vai muito rápido. Às vezes, a menina chega a sair quatro ou cinco vezes pelo site. Eles ligam buscando inovar, mas não é porque a menina é garota de programa que ela faz tudo. Tem cara que quer anal porque a esposa não faz, mas eu também não faço", exemplifica.


iagens para o exterior

Lorena (nome fictício), 28 anos, não chegou a ser apresentada à família do cliente, como a personagem Myrna, da trama da Globo, mas recebeu o convite e passagens aéreas para conhecer os familiares do "seu" Jorge. A moça foi acompanhante em viagens fora do Estado e desembarcou na Holanda e também na Espanha.

"Cheguei a ficar quatro meses fora do País. Mantenho contato com ele até hoje. A pessoa acaba adquirindo uma confiança. Eu gosto de fazer o diferente. Eu tinha a liberdade de estar na casa dele, enquanto ele trabalhava e fazia outras viagens. Ele era 10 anos mais velho do que eu", afirma Lorena*.

Nesse período, a jovem não fazia programa com outras pessoas. "Quando a relação fica bem intensa, não estipulo valor. A pessoa reconhece a necessidade e me ajuda", conta.

Vida nada fácil

Por mais que a atividade seja lucrativa, algumas meninas não querem continuar nessa vida, que de fácil não tem nada. O principal atrativo em permanecer na prostituição é o dinheiro. E, encontrar um trabalho com o mesmo lucro, é difícil, o que torna ainda mais complexo deixar a profissão.

Juliana (nome fictício) faz programa há dois anos e em 2009 tentou parar. "Cheguei numa fase em que estava muito ocupada. Minhas amizades eram só com garotas de programa. Senti falta de ter outros amigos. Tentei parar, mas não consegui". Chorando, ela desligou o telefone. A reportagem tentou contato mais uma vez, ela voltar a conversar, mas desligou novamente chorando muito.

Após adquirir uma dívida e não ter condições de pagar, Lorena* encontrou na atividade a alternativa para pagar o curso superior. "Estudei bastante e continuo estudando. Tenho curso de inglês e espanhol e o programa é mesmo para sustentar minha faculdade porque os estágios não são remunerados. Não me arrependo porque não teria como me formar. Mas essa vida vai ficar para trás muito em breve", garante Lorena.

Violência velada

Embora pareça um trabalho que traz dinheiro e estabilidade de forma mais rápida, a prostituição esconde facetas que não são vividas pela personagem Myrna, da obra de Manoel Carlos, mas que deixam sequelas na vida de muitas mulheres que fazem programa: as drogas e a violência.

Na Delegacia da Mulher de Cariacica, por exemplo, é frequente o registro de ocorrências envolvendo meninas que foram agredidas pelos clientes. Segundo a chefe da unidade, a delegada Tânia Zanole, "elas chegam à delegacia para dar queixa de agressão por briga. Muitas vezes acompanhadas do pai ou até do marido. E depois, numa conversa reservada, acabam confessando que estavam fazendo programa sem a família saber".

Foi assim com uma jovem que registrou queixa na delegacia por ter sido agredida por um cliente que não quis pagar o programa, em Viana. O agressor não foi encontrado pela polícia e, dias depois, a moça declinou da representação por ser casada e estar com medo de alguém da família descobrir que ela fazia programa.

"Não temos como saber quem é e quem não é garota de programa, quando elas chegam aqui. Não está escrito na testa. Mas temos certeza que muitas garotas ficam intimidadas e acabam não registrando queixa com medo de alguém descobrir. E nisso a violência fica velada", conclui a delegada.



Trecho da novela Viver a Vida/Globo.com



Fonte: A Gazeta

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