Segundo prefeito, o patrimônio simbólico imaterial também é singularíssimo.
No ano em que comemora três séculos de elevação à categoria de vila, Ouro Preto, a 95 quilômetros de Belo Horizonte, tem outra data marcante para celebrar. Neste domingo, moradores, visitantes e admiradores da arquitetura barroca e dos monumentos históricos lembram os 30 anos de reconhecimento da cidade como patrimônio da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco). No entanto, devido ao feriado, a festa terá início no dia 16, com programação até 28 de outubro, fruto da parceria entre o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), prefeitura e Fundação de Arte de Ouro Preto (Faop), vinculada à Secretaria de Estado da Cultura.
Ouro Preto foi a primeira cidade brasileira a receber o título da Unesco e a terceira das Américas – as primeiras foram Quito, no Equador, e Guadalajara, no México. Mesmo com motivos para comemorações, há também muitos desafios, acredita o chefe do escritório do Iphan em Ouro Preto, arquiteto Rafael Arrelaro. Um dos principais está na ocupação irregular das encostas, que acaba por desfigurar a paisagem colonial e causar um choque com o Centro Histórico, tombado pelo Iphan desde 1938.
Outro ponto importante é o turismo e a participação da comunidade, cita Arrelaro. “Queremos que o turista seja cada vez mais qualificado e que contribua de fato para o crescimento cultural e econômico da cidade, sem depredação do conjunto arquitetônico e dos monumentos. Da mesma forma, desejamos que toda a população, incluindo os moradores, os que trabalham e estudam no município, estejam totalmente envolvidos com o patrimônio de grande importância para Minas e o Brasil e estejam preocupados com a sua manutenção”, afirma o arquiteto. No dia 16, o Iphan vai lançar uma nova Portaria Normativa para o uso do espaço urbano, resultado de discussões e consultas populares. “A norma busca manter a ambiência e harmonia da cidade, em acordo com o seu crescimento urbano”, explica.
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) ressalta a importância do ciclo do ouro no século XVIII para o florescimento da civilização brasileira. O instituto explica ainda que a singularidade do patrimônio arquitetônico e artístico e o elevado estado de conservação fizeram com que Ouro Preto fosse acolhida sem ressalvas pela Unesco.
Para o escritor e diretor do Museu da Inconfidência Rui Mourão, “Ouro Preto chegou a patrimônio por causa da mineração no século XVIII. A mineração atraiu para Minas quase toda a população do país. As cidades históricas brasileiras não têm a monumentalidade de Ouro Preto. A riqueza do ouro é que produziu tudo aqui.” O diretor ainda defende uma divisão para a história brasileira, segundo ele: o século XVII foi nordestino – por causa da cana de açúcar –, o século XVIII foi mineiro, o século XIX foi carioca e o século XX foi paulista.
No início da década, Ouro Preto esteve prestes a perder o título de patrimônio da humanidade, em função da degradação e da falta de zelo com igrejas, casario e outros bens arquitetônicos. “Hoje, a cidade pode comemorar os 30 anos desse reconhecimento”, diz a coordenadora cultural da Unesco, Jurema Machado. “A comunidade entendeu o sentido que o patrimônio tem em suas vidas e assumiu esse papel de protegê-lo. Nos últimos anos, Ouro Preto adotou mecanismos modernos de controle urbano, a prefeitura se estruturou melhor para a gestão do setor e houve melhoria no estado de conservação dos monumentos, em especial caminho-tronco original”, conta.
“Há um dinamismo cultural e econômico, com museus, centro de convenções, presença da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e outros equipamentos. Ouro Preto não é um cenário, mas uma cidade ativa. Mas também há problemas pela frente, como a expansão urbana, a ocupação das encostas, a circulação”, diz. A inscrição de Ouro Preto como patrimônio da humanidade, em 5 de setembro de 1980, baseou-se na importância do ciclo do ouro no século 18 para o florescimento da civilização brasileira, cujo legado histórico e cultural a cidade revela de forma excepcional, dizem os especialistas do Iphan.
Para o secretário municipal de Patrimônio e Desenvolvimento Urbano, Gabriel Gobbi, os bons resultados de Ouro Preto se devem à fiscalização e busca de recursos para conservação dos prédios históricos, além de organização do trânsito e do espaço urbano. “Manter não é difícil, o que não se pode é deixar deteriorar”, afirma. Sobre a ocupação dos morros, diz que o problema está “estagnado”, impedindo-se a construção irregular. Ele explica que estão em andamento novos instrumentos de controle, como a lei de uso e ocupação do solo e o plano diretor.
Os bandeirantes que vieram de São Paulo contribuíram muito com a construção de Ouro Preto, assim como os portugueses e os negros, explica Mourão. O escritor ressalta a contribuição dos negros. Ele conta que Ouro Preto surgiu por acaso. As pessoas chegavam à região por causa da mineração e se estabeleciam. Dois arraiais se destacaram: o de Nossa Senhora do Pilar e o de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias.
De acordo com Rui Mourão, não havia comunicação entre os aglomerados. Posteriormente, a famosa Rua Direita interligou a região. Segundo a prefeitura, Ouro Preto nasceu a partir do arraial do Padre Faria – fundado pelo bandeirante Antônio Dias de Oliveira, pelo Padre João de Faria Fialho e pelo Coronel Tomás Lopes de Camargo e um irmão dele, por volta de 1698. Em 1711, com a junção de vários arraiais, estabeleceu-se a cidade de Vila Rica. Quando a capitania de Minas Gerais foi criada, Vila Rica foi escolhida a capital, em 1720.
A história do Brasil está latente em Ouro Preto, tanto que a cidade também foi a primeira a receber o título de Monumento Nacional. O prefeito Ângelo Oswaldo conta que, em 1933, o então presidente Getúlio Vargas declarou, por meio de decreto, Ouro Preto como Patrimônio Nacional. O tombamento pelo Iphan veio em 1938. Rui Mourão acredita que o tombamento e o título conferido por Getúlio foram fundamentais para a preservação de Ouro Preto. “Se não fosse ele, a cidade teria se descaracterizado”, diz Mourão. Ele classifica Ouro Preto como “o maior patrimônio e mais bem conservado e cuidado que existe no Brasil.” Já o título concedido pela Unesco, Mourão avalia como uma consagração, uma confirmação da Importância de Ouro Preto. "O título de Patrimônio Universal da Humanidade ajudou a consolidar prestígio internacional da cidade", destacou o escritor.
Apesar do tombamento e das construções históricas, a cidade não parou no tempo. O diretor do Museu da Inconfidência acredita que “Ouro Preto não é uma cidade do interior, mas uma cidade metropolitana. A mentalidade aqui não é provinciana de maneira nenhuma”. Ele credita essa característica aos estrangeiros que visitam a cidade e transmitem coisas boas à população.
As pessoas que passaram e que vivem em Ouro Preto também são importantes na consolidação do Patrimônio Universal da Humanidade. Ângelo Oswaldo destaca dois nomes: Aleijadinho e Tiradentes.
O primeiro, Antonio Francisco Lisboa, nasceu e morreu em Ouro Preto (1738-1814). Segundo o prefeito, Aleijadinho é o patrono da arte do Brasil. Foi o primeiro artista brasileiro a exprimir um estilo próprio, “a primeira expressão brasileira de arte”. Já o alferes Joaquim José da Silva Xavier articulou em Ouro Preto nos anos de 1787, 88 e 89 a conspiração conhecida como Inconfidência Mineira – primeiro movimento significativo pela independência do Brasil. O prefeito explica que os dois grandes símbolos do Brasil – o patrono das artes e o patrono cívico da nação brasileira - são referências da história de Ouro Preto. “Isso faz com que a cidade também tenha, além do patrimônio material, o patrimônio simbólico imaterial singularíssimo”, concluiu Oswaldo.
Várias pessoas ilustres fizeram história em Ouro Preto. Nomes importantes passaram pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), uma das mais tradicionais do país: o ex-presidente Getúlio Vargas, o aviador Alberto Santos Dumont, o cantor e compositor João Bosco, o pai da siderurgia Amaro Lanari, o político e historiador João Pandiá Calógeras, Eliezer Batista, ex-presidente da Cia. Vale do Rio Doce, Joaquim Candido da Costa Sena, que foi presidente da província de Minas Gerais, entre muitos outros.
Cotidiano
Ouro Preto não parou no tempo. A cidade é agitada durante a semana, estudantes, turistas e a população local movimentam o centro histórico. No fim do dia, o trânsito é intenso. A feira de artesanato, que fica ao lado da igreja de São Francisco, funciona 12 horas por dia, de segunda a segunda. O casal Sérgio Aparecido de Oliveira, 45 anos e Cláudia Perpétua da Silva Fernandes, 40 anos possui uma barraca na feira há 25 anos. Eles relembram o passado, “as barracas ficavam no meio da rua e no chão”. Sérgio e Cláudia contam que vivem bem com o dinheiro ganho do artesanato. “Já compramos casa, carros...”. Sobre o título de patrimônio de Ouro Preto, o casal acredita que se não tivesse o título, teria sido descaracterizada.
Helton Saar, é estudante de Farmácia da Ufop, ele é natural de Ipatinga. Há dois anos vive em uma república em Ouro Preto. Segundo Helton, ele preferiu morar em uma república particular, pois “é melhor para estudar.” Saar disse que pretende se formar e continuar os estudos fazendo mestrado e doutorado. Entre as atrações turísticas da cidade, Helton destaca a igreja do Pilar e o Museu de Mineralogia da Escola de Minas. Mas para ele o melhor mesmo são as festas, chamadas em Ouro Preto de “rocks”.
As pessoas vêm de toda parte do Brasil. Marcela Silva Peixoto é baiana, de Itapetinga. Ela mora em uma república particular com outras cinco colegas. Marcela avalia sua estadia na cidade: “morar em Ouro Preto foi a melhor experiência que já teve. Aqui, a gente não se sente sozinho nunca.” Marcela conta que para fazer qualquer reforma, as repúblicas – federais e particulares – precisam pedir autorização. Ela não sabia, mas o patrimônio natural que cerca Ouro Preto também é tombado, como por exemplo o Parque do Itacolomi e a nascente do Rio das Velhas.
A questão do saneamento básico na cidade é uma prioridade, explicou o prefeito. Ângelo Oswaldo disse que foi criada uma autarquia que cuida da água e do esgoto. Ouro Preto não parou de crescer. Para preservar o centro histórico, a expansão é executada em distritos próximos, como Cachoeira do Campo e Amarantina.
Comemoração
No dia 16, serão lançados o selo comemorativo de 30 anos do Patrimônio Mundial e a Copa Cultural 2014, junto com a abertura da 9ª edição do Festival Tudo é Jazz. Estarão presentes o ministro da Cultura, Juca Ferreira, Jurema Machado, o presidente do Iphan, Luiz Fernando de Almeida, o Superintendente do Iphan/MG, Leonardo Barreto e outras autoridades.
Fontes: G1 e UAI
Cada vez que vejo imagens de Ouro Preto sinto uma enorme vontade de conhecê-la.
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