domingo, 19 de abril de 2009

Globo e Record se aventuram na ação

Divulgação / TV Record
EXPLOSÕES
O desafio: produzir cenas de destruição que não exponham atores nem dublês a riscos
A solução da TV: na novela Poder Paralelo, da Record, uma única cena – a explosão de um carro num atentado – consumiu três meses de trabalho. Foi necessário destruir dois automóveis, um na locação original, na Itália, e outro no estúdio. As gravações foram monitoradas por bombeiros


Força-Tarefa, a nova série policial da Globo, e a novela

Poder Paralelo, da Record, investem na ação. O gênero, 
enfim, começa a fincar raízes na teledramaturgia nacional

Nos bastidores de Força-Tarefa, seriado policial que estreou na última quinta-feira na Globo, o consumo de preservativos é elevado: foram gastos 150 nos seis primeiros episódios. Mas o material não serviu para sexo, e sim para promover o derramamento de sangue. Para criar a ilusão de que as balas de festim produzem perfurações em suas vítimas, recorre-se a um truque: os atores carregam bolsas com explosivos sob as roupas, detonados por controle remoto no momento em que são "atingidos" pelas balas. Junto com esses explosivos vai o sangue artificial que jorrará dos ferimentos fictícios. Os técnicos da Globo descobriram que os preservativos são uma solução prática para armazenar o líquido (mistura de corante vermelho e açúcar que lembra ketchup). Pormenores assim revelam a aventura de gravar uma cena de ação – território virgem na TV brasileira até poucos anos atrás e que agora vem sendo crescentemente explorado. A Record investe nisso em suas novelas, assim como o fez na recém-exibida série A Lei e o Crime. O folhetim Poder Paralelo, que estreou na semana passada, reafirma essa opção. No primeiro capítulo da história sobre crime organizado – com um personagem inspirado, pasme, no delegado Protógenes Queiroz  – houve uma perseguição de helicópteros e um atentado a bomba. A Globo flertou com a ação no seriado A Justiceira, lá se vão doze anos. Desde então, tais cenas só surgiam esporadicamente em suas novelas. Força-Tarefa muda essa equação: a série, com Murilo Benício no papel de um policial que caça outros tiras corruptos, é pródiga em tiroteios e corre-corres.

Nos Estados Unidos, a ação é um gênero que remonta aos filmes de gângsteres dos anos 30. Isso fez surgir um mercado voltado à gravação dessas cenas, de empresas de efeitos especiais a agências de dublês. Nas superproduções de Hollywood, não raro os cineastas confiam a direção dessas sequências a especialistas no ramo. No Brasil, os filmesCidade de Deus Tropa de Elite encontraram formas originais de, por assim dizer, coreografar a violência dos morros cariocas – o que abriu a trilha para o que se poderia chamar de uma ação à brasileira. Os investimentos reiterados da Record, bem como os da Globo em Força-Tarefa, demonstram que essa vertente tem seu apelo na TV. Mas as emissoras precisaram absorver rapidamente macetes que os americanos aperfeiçoaram ao longo de décadas. E ainda têm chão a percorrer. Na novela Duas Caras, a Globo deu vexame com a sequência da invasão da favela da Portelinha por traficantes – as vítimas caíam sem ao menos se verem as marcas dos tiros. A Record também abraçou o ridículo na novela Os Mutantes, em que se valeu de efeitos de computação toscos. Com seus novos programas, as redes têm a chance de reverter esse jogo.


Divulgação/TV Globo
TIROTEIOS
O desafio: sincronizar os disparos das armas com as marcas das balas
A solução da TV: quando os tiros de festim são disparados na série Força-Tarefa, da Globo, técnicos detonam por controle remoto cargas explosivas escondidas sob as roupas das vítimas. É isso que produz os buracos nos corpos e os jorros de sangue artificial

Gravar uma obra de ação é uma operação cara e complexa. Cerca de 90% das cenas de Força-Tarefa são feitas em locações externas, contra não mais que 40% numa novela das 8. Embora os tiroteios e as explosões não tenham presença acentuada em todos os doze episódios, esses itens contribuem bastante para o custo médio de cada um deles, de 550.000 reais – três vezes o que a Globo gasta numa comédia comoA Grande Família. Um episódio leva sete dias para ser gravado, o dobro do normal. "Fazer uma série policial é um exercício físico intenso. Os atores ficam exaustos", diz o diretor José Alvarenga Jr. No caso de Murilo Benício, queimar calorias até que é providencial: com declarados 4 quilos a mais, o ator exibe uma pança notável.

As sequências de Poder Paralelo também dão trabalho. O atentado que fechou o primeiro capítulo – e garantiu pico de 15 pontos no ibope – requereu gravações na cidade italiana de Palermo e no Brasil. Na cena, um automóvel explode, matando a mulher e as filhas do mafioso Tony Castellamare (Gabriel Braga Nunes). A produção destruiu um carro na Itália, com bombeiros de prontidão. As imagens em que os personagens são lançados para trás pela detonação foram feitas com dublês – puxados, na verdade, por cabos de aço. Para terminar a sequência, tudo isso teve de ser repetido no estúdio no Brasil meses depois, com uma enorme tela neutra ao fundo, na qual se projetou o cenário de Palermo. Usaram-se ainda efeitos de computador para dar a impressão de que uma língua de fogo engolia os personagens. No total, noventa pessoas participaram da cena. "Nosso desafio era não machucar ninguém", diz o diretor Ignácio Coqueiro.


Divulgação / TV Record

PERSEGUIÇÕES
O desafio: imprimir ritmo ágil a essas cenas, gravadas quase sempre em locações crivadas de obstáculos, como ruas movimentadas e favelas
A solução da TV: na sequência de perseguição urbana de Poder Paralelo, os atores tinham suas imagens gravadas por um operador que os seguia com a câmera em punho. Outra câmera captava imagens do alto. Na mesa de edição, fragmentos dessas cenas foram alternados

Nessas gravações há um componente quase artesanal. Cada situação requer uma solução à la Professor Pardal. A Globo conta com dois especialistas nisso: os mexicanos Federico Farfán, que cuida dos efeitos, e Javier Lambert, treinador dos dublês. Ambos são veteranos que já atuaram em produções de Hollywood. Trabalham na Globo desdeA Justiceira, mas passaram os últimos anos meio encostados, até surgir a nova oportunidade de exibir seus dotes. Atualmente, Lambert divide-se entre Força-Tarefa e as filmagens no Brasil do novo trabalho de Sylvester Stallone. Farfán foi quem bolou o uso inusitado dos preservativos. Para ele, o segredo de uma cena de ação é que ela produza tensão de verdade no set. Ele sabe bem do que fala: quando participou de Rambo II, o que era para ser uma queimadura de mentira no rosto de Stallone acabou machucando o ator de verdade. "Ele ficou com uma bolha horrível. E me xingou muito", conta.

Só na ficção

Divulgação / TV Record
HERÓI DE ARAQUE
O ator Tuca Andrada como Téo: o Protógenes da Record


Na novela Poder Paralelo, da Record, Téo (Tuca Andrada) é um delegado da Polícia Federal com pinta de galã e comportamento heroico – nos primeiros capítulos, ele se arriscou em vários momentos em nome da luta contra o crime organizado. Mas Téo se inspira num personagem real que não se enquadra, definitivamente, no perfil de galã nem, menos ainda, no de herói: Protógenes Queiroz, o delegado da PF que cometeu abusos e ilegalidades nas investigações da Operação Satiagraha. "Era inevitável que Protógenes fosse meu exemplo", diz o noveleiro Lauro César Muniz. "Assim como ele, Téo passa por cima da lei e da burocracia policial por seus objetivos." Ao saber que inspiraria o personagem de Poder Paralelo, o próprio buscou uma aproximação com o autor – que, ao que consta, não teria vingado. O Protógenes da Record promete. Ele já fez sexo com uma colega. E atuou em outro país, a Itália, de arma e distintivo em punho, à revelia das autoridades locais. Noveleiro de esquerda, Muniz dará sua contribuição para a mistificação de Protógenes. No livro em que se baseia a trama, Honra ou Vendetta (2001), de Sílvio Lancellotti, o tal delegado era submisso a um mafioso. Agora, é um idealista perseguido por uma organização criminosa com ramificações na política e no empresariado. Se o original foi indiciado pela PF por quebra de sigilo funcional e violação da lei de interceptações, Téo será afastado do cargo por uma conspiração. Será uma vítima do "sistema", enfim. "Não vou aplaudir nem condenar. As pessoas que o julguem", diz Muniz.


Fonte: Revista Veja [22/04/2009, Edição 2106]

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