Você bebe? Vive estressado? Já ouviu falar em epigenética? Pois devia. Ela é o ramo da ciência que pretende mostrar que hábitos como fumar podem causar distúrbios como a obesidade em nossos filhos
Você pode culpar o azar por não ter herdado os lindos olhos azuis da sua mãe. Ou agradecer por não sofrer da mesma tendência a engordar que o seu pai. Afinal, sabemos que nosso código genético é formado pela mistura do DNA dos nossos genitores.
Mas e se fosse possível transmitir aos filhos as características adquiridas em vida? E se os traumas por que passamos se mostrassem tão grandes a ponto de alterar nossa composição genética?
Cientistas já notaram que crianças nascidas de mulheres que presenciaram o 11 de Setembro demonstram mais chance de desenvolver estresse. E que filhos de fumantes têm maior probabilidade de apresentar obesidade .
A ideia de que o ambiente pode alterar nossa herança celular não é nova e tem nome: epigenética. Nos últimos dez anos, a palavra vem se tornando uma das áreas mais promissoras e intrigantes da ciência. Por trás desse conceito, pode estar a chave para descobrir a influência do ambiente e da nossa rotina na carga genética que passamos para frente.
Por isso, antes de fumar feito uma chaminé, de se enfiar numa guerra ou de levar um dia-a-dia turbulento, continue lendo e descubra como você é o que come, o que bebe, o que experimenta, o que faz. E seus filhos podem ser também.
ESTRESSE GERA ESTRESSE
A psiquiatra e professora da Escola de Medicina de Monte Sinai Rachel Yehuda nem pensava na palavra epigenética quando abriu em Nova York uma clínica para o tratamento de sobreviventes do Holocausto nazista, em 1992. Em pouco tempo, e para sua surpresa, ela notou que muitos dos filhos das vítimas, nascidos anos depois do fim da Segunda Guerra, também apresentavam sintomas de estresse acima do comum, mesmo que suas vidas tivessem pouco dos horrores vividos por seus pais.
"No primeiro momento, eu fiquei convencida de que crescer ouvindo as histórias dos pais havia sido a causa dessa anomalia", diz Rachel no documentário The Ghost in Your Genes (O fantasma nos seus genes), lançado pela BBC em 2006. Porém, as pesquisas de Jonathan Seckl, professor de medicina molecular da Universidade de Edimburgo, na Escócia, jogaram luz sobre outra hipótese.
Ele realizou experimentos com ratos. Os testes mostraram que fêmeas grávidas expostas a hormônios reguladores do estresse geravam filhotes com respostas alteradas a estímulos violentos. Na prática, filhotes de mães estressadas eram mais ansiosos. Para comprovar que a raiz desses efeitos estava nos genes e não na exposição dos ratinhos no útero da fêmea, Seckl prosseguiu seu trabalho com os filhos desses roedores que não foram submetidos diretamente aos hormônios.
O resultado foi a mesma resposta alterada. Os "netos" também apresentavam sinais de estresse. Para o pesquisador, a única explicação plausível é a de que os hormônios mexeram com o "interruptor" de alguns genes e que esse padrão foi transmitido pelo menos até a terceira geração de ratos.
Rachel Yehuda e Jonathan Seckl uniram-se, então, após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 para estudar as consequências do evento traumático nos filhos de mulheres que estavam grávidas na época. Até agora, a dupla descobriu um traço intrigante. As crianças apresentam um nível de cortisona (hormônio ligado ao estresse) no sangue mais alto do que a média da população. Daqui a alguns anos eles pretendem examinar os filhos dessas crianças e avaliar se o mesmo ocorrerá. [JULIANA TIRABOSCHI]
Epigenética: além da seqüência do DNA, artigo Eloi S. Garcia
O hábito de fumar, o uso de esteróides e certas drogas também influenciam as funções genéticas por interagir química ou fisicamente com o DNA
Eloi S. Garcia é pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e membro da Academia Brasileira de Ciência.
Recentes investigações genéticas têm demonstrado que gêmeos idênticos (possuidores do mesmo genoma) apresentam diferenças em seu comportamento e fisiologia.
Por exemplo, eles podem diferir na susceptibilidade a doenças degenerativas e infecciosas.
Por que isto? Quais são as razões? O genótipo ou o genoma de gêmeos idênticos não é o mesmo?
Já o fenótipo – a fisiologia e a função orgânica - é reconhecidamente distinto e diferente.
Somos mais que nossos genes. Os genes não são responsáveis por tudo. Uma nova área, a epigenética, está sendo desenvolvida para explicar estas diferenças.
O termo epigenética existe há mais de cem anos, mas somente C. H. Waddington em 1942 deu uma definição mais precisa a ele.
Epigenética é um campo da biologia que estuda as interações causais entre genes e seus produtos que são responsáveis pela produção do fenótipo.
Pesquisas recentes realizadas sobre genomas e proteomas revelam que esta definição está correta.
Na tentativa de compreender a complexidade da biologia da vida, os cientistas normalmente estudam elementos individuais do genoma.
Seqüências gênicas e proteínas são analisadas para compreender suas interações específicas com outras entidades simples de sistemas mais complexos.
Algumas vezes este enfoque oculta aspectos importantes da biologia, principalmente àqueles de dependem de níveis mais altos de organização genética.
Assim, por exemplo, o genoma não possui somente a informação das seqüências das quatro bases A, C, G e T na cadeia do DNA.
Não resta dúvida de que esta seqüência é importante em termos dos códons, genes e cromossomos. Mas há informações adicionais no genoma dos mamíferos e estas se referem ao epigenoma.
A epigenética investiga a informação contida no DNA, a qual é transmitida na divisão celular, mas que não constitui parte da seqüência do DNA.
Os mecanismos epigenéticos envolvem modificações químicas do próprio DNA, ou modificações das proteínas que estão associadas a ele.
Por exemplo, nas histonas que se ligam e compactam a cadeia do DNA formando a cromatina, o material básico dos cromossomos.
Ou nas proteínas nucleares e nos fatores de transcrição, moléculas que interagem e regulam a função do DNA.
As modificações epigenéticas envolvem a ligação de um grupo metil (-CH3) a base citosina do DNA, particularmente aquela que vem antes da guanina; ligação de grupo acetil (CH3CO-) ao aminoácido lisina no final de duas histonas; remodelagem de outras proteínas associadas à cromatina; e transposição de certas seqüências da fita de DNA causando mudanças súbitas na maneira que a informação genética é processada na célula.
Cada uma destas modificações age como um sinal de regulação e modificação na expressão gênica.
O hábito de fumar, o uso de esteróides e certas drogas também influenciam as funções genéticas por interagir química ou fisicamente com o DNA.
O estilo de vida e exposição ambiental geralmente é diferente entre as pessoas por mais próximas que sejam.
A metilação do DNA e a modificação nas histonas se distribuem pelo genoma e são mais distintas quando os gêmeos idênticos envelhecem e têm diferentes modos de vida.
Isto leva aos fatores ambientais serem responsáveis por mudanças em um mesmo genótipo para diferentes fenótipos.
Existem enzimas que removem os grupos metilas das histonas modificando-as de tal modo que podem induzir a repressão de genes.
Estas diferenças epigenéticas também levam a diferente susceptibilidade a doenças como o câncer, artrites, depressão de desordens psíquicas e emocionais.
Hoje se sabe que enquanto o genoma é o mesmo em nossas células, o epigenoma é diferente em cada uma dos 250 tipos de células diferentes que formam o ser humano.
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